quarta-feira, 18 de abril de 2012

Desfazendo nós!

Fui convidada para contar histórias no Salão Internacional do Livro de Suzano, pelo Instituto Patrícia Galvão, uma organização social que atua no campo do direito à comunicação e dos direitos das mulheres do País, buscando qualificar os debates sobre políticas públicas voltadas à promoção da igualdade e equidade de gênero. Para contar histórias no Espaço Lilás, promovido pelo Instituto, montei um repertório intitulado Diferenças, Cores e Amores
E a história NÓS, de Eva Furnari, encaixou-se de uma forma maravilhosa na emoção que me propus a passar.


NÓS 
No tempo em que as pessoas nasciam em repolhos e as bicicletas voavam, havia uma cidade chamada Pamonhas. Nesta cidade, havia uma casa amarela, onde morava uma menina chamada Mel. Era uma garota solitária e muito diferente: é que à sua volta viviam muitas borboletas, que a acompanhavam onde ela ia. Justamente por conta disso, as pessoas da cidade tratavam Mel muito mal. Diziam que ela tinha nascido de um repolho repolhudo, de um repolho borboletado, de um repolho mofado. Mel sentia-se muito triste toda vez que falavam isso e corria para casa, a chorar. Isso acontecia todos os dias, era Mel sair na rua, com borboletas em sua volta, que lá vinha "repolhuda, borboletuda...". Mel não aguentava, dizia que não ia chorar, mas sentia-se tão mal, que corria chorando, escondendo-se em casa. 
Um belo dia, Mel resolveu mudar de tática e, ao invés de sair correndo, chorando, ficou firme. E voltou para casa como se não estivesse abalada com as risadas às suas costas. Não chorou, mas sentiu seu dedinho do pé repuxar, repuxar muito. Ao chegar em casa, tirou os sapatos e descobriu que seu dedinho tinha dado um.. NÒ. Sim, um nó, e não houve jeito, creme ou massagem que desfizesse aquele nó. O que aconteceu nos dias seguintes foi bem pior: cada vez que saía e, como sempre, ouvia "repolhuda, borboletuda...", corria para casa sem chorar. Mas ao chegar verificava que mais um nó estava feito em seu corpo. Com isso, ela já estava com seis nós, dois nos dedos dos pés, um no dedo da mão, um em cada perna e um no pescoço. Esse era o pior de todos, pois parecia um nó na garganta, destes que nem deixa a gente respirar.
O tempo foi passando e a gozação continuando. Até que um dia, quando chegou em casa, Mel se assustou com um nó na ponta do nariz! Ah não, aquilo já era demais. A cabeça zuniu, o estômago embrulhou, não dava mais para aguentar. E Mel decidir deixar a cidade de Pamonhas.  "Adeus, Pamonhas", disse ela, baixinho. E, disfarçada de geladeira, fugiu discretamente. 
Quando o Sol estava alto e Mel longe de casa, ela decidiu largar a geladeira em um ferro velho e continuar seu caminho. Chegou à noitinha ao topo de uma montanha. Tudo era tão lindo e em paz, que Mel sentiu-se feliz. O tempo passou. E Mel, na montanha, sozinha com suas borboletas e nós. Até que um dia uma vaca apareceu no topo da montanha. Mel tentou puxar assunto, mas a vaca não respondeu. Mel então pensou em lhe fazer um carinho. E deu um nozinho em seu rabo. A vaca ficou muito brava e avançou em Mel, que saiu correndo em disparada. Mel correndo e a vaca atrás, Mel correndo e a vaca atrás. Até que, para se livrar, Mel pulou no rio, nadou, nadou e nadou. Ao chegar à outra margem, viu que a vaca não conseguiu atravessar o rio. "ufa, disse ela, que bom que a vaca não sabe nadar". 
- "Que vaca?", alguém perguntou. Mel levou um baita susto, olhou e viu um menino ao seu lado. A cabeça zuniu, o estômago embrulhou e Mel imaginou que ia começar tudo de novo "Repolhuda, borboletuda". Mel quis fugir e não teve dúvidas, pegou a bicicleta do menino e saiu voando. Mas um cisco entrou em seu olhou e ela caiu, bem em cima dele. Envergonhada, ficou no chão, com a cabeça baixa, tentado pedir desculpas. E o garoto, foi muito gentil "você se machucou? Está molhada, precisa secar". Mel ficou quieta. "Puxa, como você é bonita! E que lindas borboletas te acompanham, nunca vi nada tão bonito". Mel foi sentindo uma coisa esquisita na garganta, aquele nó do pescoço repuxando, uma coisa que foi crescendo, crescendo, até que um choro começou de mansinho, de mansinho, depois explodiu, num choro sentido, num choro convulsivo, um choro engasgado daquele de nó na garganta. Pudera, o menino tinha falado com ela como ninguém havia falado... Depois de tanto chorar, Mel tentou olhar para o menino, pedir desculpas, limpou o rosto, desceu a mão pro pescoço e... o nó tinha sumido!  Ele sorriu. Mel compreendeu naquele momento que podia desatar seus nós. 
E foi assim, desse jeito, que aliviou seu coração. Chorou mais um pouco, desta vez de emoção, não tristeza. Deixou que as lágrimas levassem o cisco embora. Abriu os olhos, o dia parecia mais claro. 
"Eu me chamo Kiko, e você?" Mel não respondeu. Estava ocupada reparando em um pequeno detalhe: o menino também tinha um nó, um nozinho no dedo fura-bolo! O garoto percebeu e disse baixinho "eu sei um jeito de tirar nó de nariz..." E a chamou para conhecer a sua cidade. 
E chegaram na cidade de Merengue, que ficava do lado oposto da cidade de Pamonhas. Lá, Mel viu com surpresa, que tinha gente de todo tipo. E todos os tipos de nós também. Parecia gente nascida de todos os tipos de repolhos. E todos se respeitavam! 
Mel decidiu viver ali. E foi feliz. Um dia, Kiko ensinou a Mel a desatar o nó do nariz. E Mel, agradecida, dividiu com ele suas borboletas!



sexta-feira, 6 de abril de 2012

Páscoa

Estou atrasada com o blog, aliás estou atrasada com um monte de coisas. Como o coelho da Alice, corro, coro, estou atrasada. Amigos me pedem para parar, puxar o freio de mão, ter calma. Sim, tudo vai dar certo. só preciso descansar um pouco. Agora é o momento. E aí, recebo uma mensagem maravilhosa de Páscoa, de minha amiga, mentora e querida Eli. Justo quando estava pensando sobre uma história para contar aqui sobre o significado da data. Não há como pensar em mais nada, a não ser neste texto lindo, inteligente, irreverente de Eli. Amiga, agradeço muito por isso e tomo a liberdade de publicá-lo, inclusive com a bela imagem com a qual nos presenteou. Boa Páscoa a todos.
Chega a Páscoa

   Faço uma receita caprichada com o último pedaço de peixe seco que sobrou na minha despensa saqueada pelo inverno.
  Dou um monte de comidas coloridas para minha galinha e, na manhã de domingo, ela me bota um lindo ovo de presente. 
  Fico grávida de uma ninhada de ideias-coelhas, inquietas, quentinhas, fecundas. 
  Vou dançar numa floresta antiga, no meio da clareira banhada de luar. 
  Me recordo de quem se foi e dou graças porque, quando me recordo deles, eles também se lembram de mim.
  E nos encontramos para conversar, nesse lugar entre mundos.
  Dou graças por quem fica ao meu lado, para festejar comigo ainda mais esta vez. 
  Abro espaço para quem chega. Afinal vai saber se não é o próprio Messias!
  Saio do Egito um pouco chateada porque, afinal, adoro a corte fashion do faraó Ramsés e todos aqueles artistas com seus murais maravilhosos, mas...
  sempre haverá muros para pintar na Terra Prometida. E quem sabe eu não me torno um desses artistas, mesmo porque lá não tem tanta concorrência.
  A todos, uma Páscoa iluminada pelos símbolos da união dos opostos, tempo de vida-morte-renascimento, na melhor tradição judaico-cristã-pagã.
Eli