sexta-feira, 19 de abril de 2013

Viagem ao céu

Mais Lobato! Afinal, comemoramos em 18 de abril o Dia Nacional do Livro, marcado nesta data em função do aniversário de nascimento de Monteiro Lobato. A meu ver, nem é preciso lembrar da data para ler, reler, ouvir, contar ou recontar coisas que aprendemos lá no Sítio do Picapau Amarelo. Tanto tenho essa certeza, que coloco aqui outro trecho de puro encantamento, este extraído do volume Viagem ao Céu:

"... Dona Benta não tirava os olhos das estrelas. Estranhando aquilo, os meninos foram se aproximando. E ficaram também a olhar para o céu, em procura do que estava prendendo a atenção da boa velha.
- Que é, vovó, que a senhora está vendo lá em cima? Eu não estou enxergando nada - disse Pedrinho.
Dona Benta não pode deixar de rir-se. Pôs nele os olhos, puxou-o para seu colo e falou:
- Não está vendo nada, meu filho? Então olha para o céu estrelado e não vê nada?
- Só vejo estrelinhas - murmurou o menino.
- E acha pouco, meu filho? Você vê a metade do universo e acha pouco? Pois saiba que os astrônomos passam a vida inteira estudando as maravilhas que há nesse céu em que você só vê estrelinhas...
... Estava um céu lindo, transparente como cristal. O assanhamento do brilho das estrelas parecia os olhos dos meninos quando viam a bandeja de doces que o Coronel Teodorico mandava no dia de anos de Dona Benta. Antes de levantarem a toalha da bandeja, os olhos de todos ali no sítio ficavam como as estrelas do céu daquela noite."

quarta-feira, 17 de abril de 2013

Hóspedes no Sítio do Picapau Amarelo

Continuo maravilhada com a leitura de Monteiro Lobato. E, depois do Pisca-Pisca da Emília, no post anterior, hoje coloco uma passagem maravilhosa em que Lobato traz para ao Sítio do Picapau Amarelo todo o mundo das fábulas e dos contos de fadas. Trata-se de uma daquelas ideias encantadas, próprias do autor ao longo de toda a sua obra, de trazer para o cenário brasileiro a literatura infantil universal. Tudo começa com uma cartinha do Pequeno Polegar para a vovó Benta, que começa assim:

"Prezadíssima senhora dona Benta Encerrabodes de Oliveira,
Saudações. Tem esta por fim comunicar a vossa excelência que nós, os habitantes do Mundo da Fábula,  não aguentamos mais as saudades do Sítio do Picapau Amarelo e estamos dispostos a mudar-nos para aí definitivamente. O resto do mundo anda uma coisa mais sem graça... Aí é que é bom. Em vista disso, mudar-nos-emos todos para a sua casa - se a senhora der licença, é claro..."
Vovó Benta não só dá licença, como compra terras de fazendas vizinhas para acomodar a todos. Responde ao Pequeno Polegar dizendo que podem vir, mas não sabe para qual endereço mandar, uma vez que o menino não colocou as referências do remetente na pétala de rosa que serviu de carta. Sem saber o que fazer, chama Emília. E aí segue-se uma cena típica do universo lobatiano:
"Emília deu uma risada gostosa  e disse:
- Ah, meu Deus. Que bicho bobo é gente grande! Morrem de lidar com as maravilhas e não aprendem essa coisa tão simples como é o faz-de-conta. Me dá aqui a carta ... Emília chegou à janela e gritou: "Ventos e brisas daquém e dalém. Passarinhos e borboletas.Levem essa resposta ao Polegar. Depressa, depressa, senão..
- Senão o quê, Emília?, perguntou Narizinho
- Senão nada. O senão é só prá meter medo..." E a carta chegou.
Uma semana depois, Pequeno Polegar vem puxando a fila: logo atrás Branca de Neve com todos os anões, Capinha Vemelha, Alice, Peter Pan, até Barba Azul com seu facão de matar mulher. O senhor de La Fontaine com seu amigo Esopo, acompanhado de todas as suas fábulas; todos os personagens de Andersen e Grimm. Também vieram Dom Quixote, acompanhado de Rocinante e seu fiel escudeiro Sancho Pança... 
E a história continua. Só mesmo Monteiro Lobato para colocar em um único espaço tanto encantamento. Este livro, intitulado O Picapau Amarelo (não confundam com Reinações de Narizinho, onde tudo começou), foi publicado em 1939. Se puderem, leiam, releiam, contem e recontem.

quinta-feira, 4 de abril de 2013

Pisca-pisca da Emília

A Associação Viva e Deixe Viver me pediu para montar uma oficina para o aniversário de Monteiro Lobato, comemorado no dia 18 de abril, razão pela qual também foi instituído o Dia Nacional do Livro. Isso me deixou muito feliz - pois adoro Lobato - e foi a deixa que eu precisava para reler toda a sua obra. Continuo encantada com aquele cenário maravilhoso do Sítio do Picapau Amarelo, com a abordagem do autor para algumas situações, com os seus personagens maravilhosos. E, em que pese toda a recente polêmica sobre ser ou não racista, defendo arduamente que Lobato deva ser lido, degustado, aproveitado e admirado cada vez mais. Que os leitores optem por avaliar manifestações de racismo ou não, mas que não os impeça ou lhes negue a possibilidade de conhecer esta maravilhosa obra. 
Bom, para mim, há um encantamento especial em várias passagens e, particularmente, em alguns diálogos indiscutivelmente inspiradores. Como esse que publico aqui.


O Eterno Pisca-pisca

...a vida, Senhor Visconde, é um pisca - pisca.
A gente nasce, isto é, começa a piscar.
Quem pára de piscar, chegou ao fim, morreu.
Piscar é abrir e fechar os olhos - viver é isso.
É um dorme-e-acorda, dorme-e-acorda,
Até que dorme e não acorda mais.
A vida das gentes neste mundo, senhor sabugo, é isso.
Um rosário de piscadas. Cada pisco é um dia.
pisca e mama;
pisca e anda;
pisca e brinca;
pisca e estuda;
pisca e ama;
pisca e cria filhos;
pisca e geme os reumatismos;
por fim, pisca pela última vez e morre.
- E depois que morre ? - perguntou o Visconde.
- Depois que morre, vira hipótese. É ou não é?

segunda-feira, 1 de abril de 2013

Sonhos

O homem dos girassóis nos fez sonhar por várias vezes. E dar risada de suas histórias e de suas artes, (como dizem na minha família: menino arteiro esse). Mas a história abaixo é a que mais me toca. Com certeza, é porque foi real e envolveu nossas duas filhas. Escrevi muito tempo depois, quando falar com ele só tornou-se possível em sonhos. E ainda assim, continuamos a sonhar. Então, aqui vai:


Sonhos
Era uma vez um bom homem. Um homem feliz e amoroso. O melhor.
Amava muito sua família. E era muito amado ...
Um dia, como sempre fazia, ele levou suas filhas à escola. Elas eram pequenas, a mais velha, de sete anos, estudava em uma escola. A menor, de cinco, estudava em outra. Como tudo parecia ser uma grande aventura, uma das coisas que elas gostavam muito era quando ele, ao levá-las à escola, entregava um lanche-surpresa para cada uma delas.
Naquele dia, ele entregou sua pequena surpresa para a mais velha e pediu que ela abrisse o saquinho somente na hora do recreio.
Quando a maior passou pelo portão, o pai disse para a pequena que ela também receberia um saquinho igual. Então ela perguntou ao pai o que tinha no saquinho. Ele disse “sonhos”.
No caminho todo para sua escola, a menininha ficou pensando como o seu pai era especial e maravilhoso, pois conseguia tirar de sua cabeça os sonhos sonhados à noite e ainda colocar em saquinhos para as filhas comerem no recreio!!! Como será que ele tirava da cabeça delas? Será enquanto ainda dormiam? E como é que ele conseguia embrulhar os sonhos (às vezes a gente sonha cada sonho compriiiidooooo...). Nossa, ele era muito bom mesmo para fazer aquilo.
Mal pode esperar a hora do recreio para abrir o tão precioso saquinho. E encontrou dentro dele pequenos e deliciosos sonhos, comprados em uma padaria ali perto... Se lambuzando ao comer, ela sorriu. Seu pai era mesmo especial e maravilhoso !